Militar temporário e seu direito à Reintegração para tratamento médico (saúde).
- advogadoespecialistamilitar
- 16 de ago. de 2020
- 10 min de leitura
Militar temporário. Exército. Marinha. Aeronáutica. Licenciado ainda doente. Direito à Reintegração para tratamento médico (saúde). Incapacidade temporária ou definitiva. Reforma. Lei 13.954/19. Inconstitucionalidade.

O presente artigo visa fornecer ao militar temporário e demais interessados no tema, concisa análise dos direitos à proteção social daqueles, sob a ótica do novo estatuto dos militares (reforma previdência militares), pois o tema aqui não se esgota, guardando para os demais operadores do Direito os aprofundamentos da matéria.
Introdução
A despeito dos avanços do novo estatuto dos militares (Lei 13.954/19, datada de 17/12/2019), que veio contribuir para o esforço nacional em busca do equilíbrio fiscal e orçamentário federal, um tema em especial, trouxe retrocessos a uma enorme parcela de militares - quer seja - dos militares temporários.
Ao criar regras diferenciadas para a solução de idênticas situações oriundas dos mesmos eventos, surgiram nefastos reflexos na proteção social de uma parcela considerável dos militares.
O efetivo atual das Forças Armadas é composto por 55% de militares temporários e 45% de militares de carreira, e a programação é de que em dez anos o efetivo tenha 65% de temporários e 35% de militares de carreira [1], com projeção de aumento nos efetivos de temporários, vislumbrando-se assim, um grave cenário de volumosos conflitos que certamente irá desaguar nos Tribunais pátrios.
Tal distinção, dentro de uma mesma categoria, afigura-se flagrantemente inconstitucional, na medida em que fere princípios e direitos basilares, ínsitos na Carta da República, clamando pela corrigenda do Poder Judiciário.
Desenvolvimento
O tema em análise revela um universo anual (projetado) de mais de 257.000 militares temporários, impactados negativamente em seu sistema de proteção social. É o que se observa ao somarmos o efetivo, com o aumento-limite de 10% e aplicarmos a porcentagem da relação “de carreira” x “temporários”, nos termos da Lei n. 7.150, DE 1º DE DEZEMBRO DE 1983 (em vigor), que fixa os efetivos do Exército em tempo de paz, e dá outras providências, conforme:
“(...)
Art. 1º Os efetivos do Exército em tempo de paz terão os seguintes limites: ("Caput" do artigo com redação dada pela Lei nº 12.918, de 20/12/2013)
(...)
II - 40.000 (quarenta mil) Oficiais; (Inciso acrescido pela Lei nº 12.918, de 20/12/2013)
III - 75.000 (setenta e cinco mil) Subtenentes e Sargentos; e (Inciso acrescido pela Lei nº 12.918, de 20/12/2013)
IV - 210.510 (duzentos e dez mil, quinhentos e dez) Cabos e Soldados. (Inciso acrescido pela Lei nº 12.918, de 20/12/2013).
§ 1º Os aumentos dos efetivos fixados na forma da Lei nº 6.144, de 29 de novembro de 1974, alterada pelas Leis nº 6.594, de 21 de novembro de 1978, nº 6.956, de 23 de novembro de 1981 e nº 7.006, de 29 de junho de 1982, necessários para se atingir os limites estabelecidos neste artigo serão anuais e sucessivos, a contar da data da entrada em vigor desta Lei.
§ 2º Os aumentos de efetivos a que se refere o parágrafo anterior não poderão ultrapassar, por ano, 10% (dez por cento) do total do efetivo global previsto neste artigo.
Art. 2º Os efetivos a vigorarem em cada ano serão fixados por decreto do Poder Executivo, observado o disposto no artigo anterior, e preenchidos por militares de carreira e temporários.
§ 1º Na aplicação do disposto neste artigo e no art. 6º desta Lei, se vier a ocorrer, temporariamente, excesso de militares de determinado posto ou graduação em quadro, arma, serviço ou qualificação militar, o efetivo desse posto ou graduação será considerado provisório até que se ajuste ao novo efetivo fixado.
§ 2º Para efeito desta Lei, são considerados militares temporários:
a) os oficiais da reserva não remunerada, quando convocados;
b) os oficiais e praças de quadros complementares admitidos ou incorporados por prazos limitados, na forma e condições estabelecidas pelo Poder Executivo;
c) as praças da reserva não remunerada, quando convocadas ou reincluídas;
d) as praças engajadas ou reengajadas por prazo limitado;
e) os incorporados para prestação do serviço militar inicial. (Artigo com vigência prorrogada até 30/4/1990, de acordo com o inciso II do art. 1º da Lei nº 7.763, de 27/4/1989)”.
Daí, numericamente, se depreende a relevância do tema.
Quanto ao foco do tema em análise, restringimos aos casos em que o militar temporário é licenciado (desligado da Força), onde – por óbvio – fica sem remuneração porém (alguns casos), recebendo o tratamento de saúde (encostamento).
Os casos envolvidos dizem respeito ao militar temporário que:
a) tenha sido acometido de doença durante o serviço militar,
b) tenha sofrido acidente em serviço durante o serviço militar,
Exemplos práticos:
a) Militar temporário que descobriu ser portador da SIDA/AIDS, de cegueira monocular, tuberculose, de doença renal, cardiológica, ortopédica, etc.
b) Militar temporário que, durante atividade militar, sofreu trauma em coluna ou joelho vindo a desenvolver LCA (lesão de cruzado anterior), ou ainda em menisco, etc.
Ao licenciar os mesmos, desligando da Força, retirando sua remuneração e disponibilizando apenas o tratamento de saúde, as Forças Armadas buscam fundamento no encostamento do art.149 da RLSM:
“Art. 149. As praças que se encontrarem baixadas a enfermaria ou hospital, ao término do tempo de serviço, serão inspecionadas de saúde, e mesmo depois de licenciadas, desincorporadas, desligadas ou reformadas, continuarão em tratamento, até a efetivação da alta, por restabelecimento ou a pedido. Podem ser encaminhadas a organização hospitalar civil, mediante entendimentos prévios por parte da autoridade militar.”
E, hodiernamente, acrescentaram novo lastro ao rol, com o “novo” Estatuto dos militares, criando uma vera subcategoria de militares:
“Art. 106. A reforma será aplicada ao militar que:
(...)
II - se de carreira, for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas;
II-A. se temporário:
a) for julgado inválido;
b) for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas, quando enquadrado no disposto nos incisos I e II do caput do art. 108 desta Lei;”
Da inconstitucionalidade
O estatuto dos militares, até então, não fazia distinção entre militares de carreira e os temporários.
Ao criar uma verdadeira subcategoria de militares, cujos deveres são os mesmos, mas o direito à proteção social foi flagrantemente violado, aviltando-se diversos princípios do direito e direitos constitucionais, temos por inconstitucional tal alteração.
Os militares contam com um Sistema de Proteção Social, instrumentos legais e ações permanentes e interativas que envolvem remuneração, saúde e assistência social.
Pergunta-se: Como pode ser constitucional assegurar o amparo e a dignidade aos militares das Forças Armadas e a seus dependentes, haja vista as peculiaridades da carreira militar, somente a uma parcela destes, deixando ao desamparo financeiro e muitas vezes completo (sem tratamento e sem remuneração), uma parcela significativa (anualmente quase 260 mil homens?) .
Frise-se que uma , após o engajamento, o militar temporário passa a contribuir para o Sistema de Proteção Social que pode chegar a 12,5% da remuneração bruta. Além dessa contribuição, o militar (ainda que temporário), desconta uma parcela de 20% do total da despesa de qualquer tratamento médico a que ele ou seus dependentes são submetidos.
A mais, ao militar temporário também se exige, a disponibilidade permanente e a dedicação exclusiva , sem deixarmos de observar as peculiaridades da carreira, que merecem destaque.
Avaliando o disposto no artigo 142 da Constituição Federal de 1988, nada se observa que leve a uma distinção entre “militar de carreira” e “militar temporário”.
Ademais, ao franquear à lei complementar demais pormenores, em nenhum momento a CF88 autorizou tal diferenciação entre os militares, senão vejamos:
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.
(...)
I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas;
(...)
X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.”
Com clareza solar a CF88 autorizou à Lei dispor sobre direitos e deveres, entretanto, limitou tal regulação às premissas da patente e das peculiaridades de suas atividades.
Patente: Aqui se entende por posto ou graduação, onde p.ex. um oficial temporário responde ao mesmo RDE (Regulamento disciplinar do Exército) que o militar de carreira. Onde o terceiro sargento temporário deve cumprir as NARSUP (Normas Administrativas Relativas ao Suprimento), da mesma forma que um terceiros sargento de carreira. Enfim, onde independentemente de ser “temporário” ou “de carreira”, todos os militares são submetidos ao mesmo regime de hierarquia e disciplina.
Peculiaridades de suas atividades: Aqui se entende que a distinction disposta pela Carta da República refere-se às “atividades exercidas” pelo militar que, por óbvio, são diferentes de acordo com o posto ou graduação, mas absolutamente iguais entre “temporários” ou “de carreira.”
A União (Forças Armadas), ao impor limites não autorizados pela Constituição, tratando os militares em igualdade de deveres mas diversamente direitos, consubstancia inconstitucionalidade.
Analogicamente, tomemos por exemplo um servidor público vinculado ao regime próprio de previdência social, lotado no Ministério da Defesa, na função de motorista que, selecionado para trabalhar no Comando Militar do Leste, como terceiro sargento técnico temporário na mesma função, venha a sofrer um acidente dirigindo uma viatura militar e restado sequelas incapacitantes para o labor. O mesmo só seria amparado se julgado inválido. Do contrário seria licenciado sem remuneração (letra A.II do art.106 do Estatuto dos militares).
Atente-se que, se o acidente tivesse ocorrido quando o mesmo, ainda, era funcionário civil, teria total amparo legal, nos termos do disposto no art. 40, da Carta Magna, onde se lê expressamente, no inciso I, do § 1º, a disposição de aposentadoria no caso de incapacidade permanente para o trabalho pois não sofreria nenhuma “discriminação” , por força do § 4º, do mesmo artigo 40, que dispõe que “É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto nos §§ 4º-A, 4º-B, 4º-C e 5º.” E é justamente um critério diferenciador que a lei 13.954/19 adotou em relação aos militare s tempor ários.
Dessa forma, com o caso acima , demonstrado está a flagrante violação das normas de proteção do trabalhador, conforme adiante se ratifica:
Na mesma linha, o inciso XXVIII, do art. 7º, da Constituição Federal que designa direito a indenização em caso de acidente de trabalho:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
…
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;” (g.n).
Seguindo o raciocínio pela inconstitucionalidade da distinção entre militares temporários e militares de carreira, urge frisar o que dispõe nosso Códex Civilista, em seu artigo 927, sobre o dever de reparação de dano:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (destaque nosso).
Recentemente, corroborando o acima exposto, o STF (Supremo Tribunal Federal ), adotou a seguinte tese (Recurso Extraordinário 828.040/DF.número único 0000438-80.2010.5.24.0002).Tema 932.repercussão geral[3]:
“O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho,nos casos especificados em lei,ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade“, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes (Relator), vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 12.03.2020.” (g.n).Notadamente a atividade militar envolve riscos diferenciados e, conforme tese firmada pelo STF, acima descrita (repercussão geral), a responsabilidade da União (Forças armadas) está clara por ser responsabilidade objetiva, ou seja, independente de dolo ou culpa.
O novo estatuto dos militares, ignorando esses preceitos, através da lei 13.954/19 criou assim, distinção entre militares, não autorizada pela Constituição Federal, atribuindo aos que foram selecionados por certame (militares de carreira), direitos que desconsidera aos militares temporários; pretendendo assim, ao que nos parece , afastar sua responsabilidade, sendo certo que não só o arcabouço constitucional , quanto a legislação infra, atribuem reponsabilidade objetiva às Forças Armadas.
Ao consubstanciar tal afronta, a lei 13.954/19, retirou a segurança jurídica do militar temporário , ao cassar seu direito à reforma (impondo condições inconstitucionais), seja licenciando e retirando a remuneração durante o tratamento de saúde, seja suspendendo também a indenização pecuniária, seja – em verdade - criando um instituto do “tratamento por tempo indefinido” (retirou direito à reforma do agregado por mais de 24 meses), enfim , alijando o militar temporário de direitos que, agora, só os militares de carreira possuem, ao exigir critérios não autorizados pela CF88.
Fere-se de morte o princípio da isonomia porquanto (independentemente de serem) militares de carreira ou temporários, ambos submetem-se às mesmas exigências operacionais e disciplinares (mesmas condições de trabalho/mesmos riscos/mesmas demandas) bem como princípios basilares dos direitos constitucionais, atraindo a competência legal da Justiça Federal fulcro aplicar a devida corrigenda, observando-se – evidentemente – as peculiaridades do caso concreto.
Conclusão
Os militares temporários face novo estatuto dos militares, consubstanciado nas alterações impostas pela lei 13.954/19, encontram-se em franca desvantagem em relação aos militares de carreira. Desvantagem essa que é flagrantemente inconstitucional pois a novel legislação criou limites não autorizados pela Carta da República, ao fazer surgir uma nova “subcategoria” de militares (militares temporários), que já “nascem” sem direito aos mesmos direitos dos seus pares. Um terceiros sargento temporário tem menos direitos que um terceiros sargento de carreira, porém, ambos tem as mesmas responsabilidades (deveres).
A nova “subcategoria” de militares (militares temporários), não encontra similitude de “draconiano regramento previdenciário” em nenhuma outra norma pátria, tornando os mesmos , cidadãos de “segunda categoria” pois, p.ex., se dois cidadãos vem a sofrer eclosão de doença ou acidente de trabalho que os torne incapazes para o labor, o civil será aposentado e ao militar temporário será exigida – ainda – para além da incapacidade, que o mesmo seja inválido para todo e qualquer trabalho.
Devemos lembrar que, ano após ano, milhares de pais e mães entregam seu bem mais precioso, os filhos, ao chamado da pátria (serviço militar obrigatório), na certeza de que (contrato social), os mesmos serão devolvidos aos entes e à sociedade nas perfeitas condições de saúde que incorporaram. E, quando o Estado os restitui incapacitados e sem remuneração, o que temos é – por via reflexa - um “adoecimento do tecido social”, porquanto corroídas ficam as bases de confiança da sociedade nas Forças Armadas, justamente neste momento ímpar da quadra política nacional.
O novo estatuto dos militares, na forma da lei em comento, é fragrantemente inconstitucional, conforme tudo o que foi sobredito, em especial face a responsabilidade objetiva do Estado, in casu, da União, atraindo a competência da Justiça Federal para sanar tais ilegalidades/inconstitucionalidades, via ações judiciais. Certamente os militares temporários irão demandar tais processos judiciais, na busca, senão de curar suas patologias/sequelas, ao menos de “minimizar” a dor de terem ficado ao abandono financeiro e com sequelas de saúde, condições estas mórbidas e muitas vezes comórbidas, fortemente impactantes na busca por (re)colocação no (já) rarefeito e competitivo mercado de trabalho nacional.
Bibliografia
(3) http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4608798&numeroProcesso=828040&classeProcesso=RE&numeroTema=932/acessado em 14/08/2020
Dr.Juan (OABPE.42880). Conteúdo jurídico da minha área de atuação (exclusivamente Direito Militar). Militar do Exército desde 1987 (área de saúde), atualmente reformado. Advogando desde 2016 em todo o Brasil, formado pela Universidade Estácio de Sá/PE, venho atuando exclusivamente na área militar. Quase 30(trinta) anos de vivência na prática militar, sempre na área de saúde, foi o que me instrumentou com sólidos conhecimentos para atuar no Direito Militar, face minha faina diária com o vasto e complexo arcabouço de normas especiais castrenses.
Direito Militar. Reintegração. Reforma.Pensão.Ex-Combatente, etc.






Comentários