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Advogado Especialista em Direito Militar

As (recentes) modificações no direito dos militares temporários.

  • advogadoespecialistamilitar
  • 14 de jul. de 2020
  • 5 min de leitura

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1. INTRODUÇÃO


Mais comum do que se imagina, a ocorrência de acidentes e/ou surgimento de doenças durante o serviço militar, leva todos os anos, um grande contingente de militares ou ex-militares a sofrer com as sequelas dessas ocorrências.

Desde os primórdios, as Forças Armadas vem editando uma série de normas internas (em geral Portarias), disciplinando a matéria.

O avanço da ciência do direito, vem gerando uma maior segurança da sociedade contemporânea, como se observa nas diversas decisões judiciais (jurisprudência) bem como nos estudos sobre o tema (doutrina).

Lado outro, essa sensação de (pseudo) segurança, vem sendo desafiada com a edição do novel Estatuto dos Militares (Lei nº 13.954, de 2019).


2. DESENVOLVIMENTO


A essência do conceito de militar e sua aplicabilidade foi distorcida pela Lei nº 13.954, de 2019, na medida em que impôs divisões e restrições, dentro de uma mesma categoria de servidores públicos militares, que não se coadunam com nosso Estado democrático de direito, senão vejamos:

Ab initio cumpre ressaltar que, ao impor os mesmos deveres disciplinares mas ofertar apartados direitos de saúde, no que tange aos temporários (reforma por invalidez) bem como impor novas “contribuições” aos pensionistas (cujo titular já contribuiu ao longo da sua vida), consubstancia-se vero espancamento dos direitos da pessoa com deficiência e, afligir os pensionistas (tema que trataremos em futuro artigo) com novel “contribuição” configura “bis n idem”, que é vedado pelo direito tributário nacional.

No caso de restringir o direito à reforma dos militares temporários, ínsita nos art. 106 e sgs da Lei em comento, o resultado, em rasas palavras, é que teremos milhares de jovens que adentraram os portais do serviço militar totalmente hígidos, sofreram acidentes em serviço (no desempenho de funções militares) bem como àqueles que sofreram a eclosão de doenças durante o serviço militar, fatos esses cujo desempenho do serviço militar (por suas excepcionais exigências e peculiaridades) , findou por produzir (in fine) uma grave deficiência ao ponto de serem licenciados (desligados/desincorporados) e, simplesmente “devolvidos à sociedade” “jogados à própria sorte” por não poderem mais disputar , por exemplo, processos seletivos a cargos/funções policiais ou na área de segurança privada e ainda àqueles que exigem hígidas condições.

Noutras palavras, o indivíduo incorpora Forças Armadas plenamente hígido, o Estado utiliza seus serviços (sua saúde, força física, higidez mental), e quando esse militar sofre agravos em sua saúde com sequelas (deficiência física ou mental), ele é singelamente “descartado”, perdendo não só parte considerável de sua saúde como a oportunidade de desfrutar das mesmas oportunidades os demais cidadãos; situação totalmente inconcebível em um estado democrático de direito.

Ao prever na legislação castrense o apoio de saúde para estes militares (RLSM. Encostamento), porém sem mais dispor seus proventos, a Administração Pública finda por criar um cidadão de “segunda categoria”, porquanto deficiente físico/mental sem proventos/salário/recursos financeiros para o seu sustento e (quiçá) sua família.

O bom senso, a razoabilidade não nos permite conceber harmônico com o direito pátrio tal situação.

Frise-se que o Estado mesmo diretamente responsável pela deficiência física/mental do indivíduo (acidente em serviço/eclosão de doença), pretende se eximir de sua responsabilidade, o que entendemos inconstitucional, ilegal e imoral , ainda que sob o manto da novel legislação castrense em tela.


RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO


A Constituição Federal de 1988 determinou, em seu art. 37 Parágrafo 6º, a responsabilidade objetiva do Estado:

Art. 37.(...)

Parágrafo 6º As pessoas

Para ocorrer a responsabilidade objetiva são exigidos os seguintes requisitos:

1) pessoa jurídica de direito público ou direito privado prestadora de serviço público.

2) entidades prestem serviços públicos.

3) dano causado a terceiro em decorrência da prestação de serviço público (nexo de causalidade).

4) dano causado por agente, de qualquer tipo.

5) agente aja nessa qualidade no exercício de suas funções.

A responsabilidade objetiva do Estado, determinada pela nossa Lei Maior, é de clareza solar e indene de dúvidas, no tema em comento.

Ademais o Poder Judiciário, em determinados julgamentos, utiliza a teoria da culpa administrativa para responsabilizar o Estado em casos de omissão (teoria da culpa do serviço público/faute du service). A culpa decorre – in casu - da omissão do Estado, quando este deveria ter agido e não deixado ao desemparo quem só adoeceu/tornou-se deficiente físico/mental (dano), por estar “servindo” – ainda que voluntariamente - ao ente Administrativo.

Reparação do dano

Quanto à reparação do dano, uma vez que o militar foi desligado sem saúde, quer seja, sem o estado normal e funcionamento correto de todos os órgãos do corpo humano, esta pode ser obtida administrativamente ou mediante ação autônoma junto ao Poder Judiciário:

“Constituição Federal 1988

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” (grifo nosso)

Para conseguir o ressarcimento do prejuízo, a vítima deverá demonstrar o nexo de causalidade entre o fato lesivo e o dano, bem como o valor do prejuízo.

Em primeiro lugar, deve-se atentar para o prazo (geral) de prescrição que, após 05 (cinco) anos do licenciamento (desligamento), finda o fundo de direito.

Especial atenção ao preparo das provas (coleta, seleção, prévios requerimentos administrativos, etc), que são de suma importância no (futuro) processo pois há necessidade de fundamento jurídico lastreado no conjunto de provas obtidas para se promover determinada ação judicial.

Ressaltamos que, por tratar-se de matéria envolvendo legislação “especial”, as lides castrenses (militares), devem estar cercadas de cuidados ímpares, p.ex.: de nada adianta coletar uma “comunicação de parecer” pois o citado documento administrativo não traz a informação necessária aos autos do processo, nesses atos (inspeção de saúde administrativa). A obtenção, coleta e triagem dos documentos de saúde deve ter cautela diferenciada pois (p.ex.), ao solicitar administrativa ou judicialmente essa documentação nosológica, estaremos a tratar de matéria eminentemente técnica-científica onde, um único documento pode ser determinante para o direito de defesa.

O parecer de um profissional especializado na área do direito militar, deve ser observado pois todas ou quase todas as medidas envolverão tanto matéria de defesa quanto poderão transmutar-se em conteúdo probatório contra o Autor, o que torna imperativo que as ações tenham fundamento técnico especializado.

Em resumo, não se deve adentrar nesta seara sem consultar um especialista antes.


3. CONCLUSÃO


Mesmo face modificações havidas no Estatuto dos Militares, em especial às restrições de direitos impostas aos militares “temporários”, nossa Lex Mater (CF88), continua em vigor, garantindo acesso pleno ao Poder Judiciário que, diante de argumentação técnico-jurídica bem fundamentada e escorreita exposição dos fatos, irá certamente permitir a corrigenda judicial necessária bem como atingir a mais acrisolada justiça.


Juan Ramon (OABPE.42880) Militar do Exército desde 1987 (área de saúde), atualmente reformado. Advogando desde 2016 em todo o Brasil, formado pela Universidade Estácio de Sá/PE, venho atuando exclusivamente na área militar. Quase 03 (três) décadas de vivência na prática militar, sempre na área de saúde, foi o que me instrumentou com sólidos conhecimentos para atuar no Direito Militar, face minha faina diária com o vasto e complexo arcabouço de normas especiais castrenses.

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